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Early full slot engagement, CuNiTi e bráquetes autoligáveis

Bom dia,

Hoje eu vi uma postagem no FB do meu amigo David Normando sobre o artigo do Spyridon Pappagiorgiou, onde ele fez uma revisão sistemática com meta-ánalise sobre bráquetes autoligáveis (ela está disponível na página do Spyridon no researchgate.com). É óbvio que os ânimos se exaltam em algumas postagens e numa época onde estamos em uma briga para a sucessão do País, as discussões que deveriam ser científicas acabam se tornando partidárias e pessoais…

Tomo sempre muito cuidado quando falo de bráquetes autoligáveis para não ser taxado como o cara que é contra o uso deles. Não sou. Eu tive, tenho e ainda terei casos com esses bráquetes (principalmente quando eu ganho eles). O que eu acho, é que teve muita gente que começou a fazer uma ortodontia melhor, porque a informação está mais disponível do que era no passado e as pessoas confundem isso com o bráquete…bom, tem um caso meu ai embaixo!

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Falar que eles são bráquetes como qualquer outro não quer dizer que eles sejam ruins. Todos os bráquetes são desenvolvidos para ter uma vantagem sobre os outros, mas quando você acha que ganhou de um lado, acaba perdendo por outro. Veja o caso dos bráquetes Tip-Edge, você pode utilizar esses bráquetes com muito folga para retrair caninos…e eles realmente evitam o efeito colateral de extrusão nos incisivos. Mas também não te dão controle na retração da raiz…e por ai vai.

Querem outro exemplo? Os bráquetes de Alexander são fantásticos para nivelamento e alinhamento, permitem que você chegue ao fio de trabalho super-rápido, tornam os fios relativamente mais flexíveis devido à grande distância interbráquete,  mas são péssimos para fechar espaços por deslizamento (talvez seja por isso que alças são preconizadas com esses bráquetes).

Já que essa técnica prega o early full slot engagement (EFSE), vamos voltar ao assunto. O que EFSE quer dizer? É a busca por preencher a canaleta do bráquete o mais rápido possível no tratamento. Isso é completamente o oposto ao que se “prega” nas técnicas autoligadas, onde se acredita que um fio com muito folga será mais eficiente, ainda mais se você deixar ele na boca por mais tempo que o necessário.

O mais cômico, se não fosse triste, é saber que o EFSE é o motivo pelo qual os fios de altíssima resiliência retangulares foram introduzidos na ortodontia na década de 90 (os mesmos que são utilizados em espessuras mais finas nos dias de hoje). Estes são os classificados como ligas de níquel-titânio martensíticos ativos (Copper NiTi, Neosentalloy e Bioforce) e mais o Turbo Wire (NiTi trançado), possuem um módulo de elasticidade bem baixo e, em maiores dimensões podem ter a rigidez parecida a fios redondos de ligas um pouco menos resilientes, as quais eram as  normalmente utilizadas na ortodontia até o começo da década de 90 (Nitinol, Niti austenitico ativo e aço trançado).

Assim, eles permitiram uma ortodontia mais eficiente que era utilizá-los como primeiros fios, em dimensões retangulares ou quadradas, e amarrá-los deixando-os cozinhando (Let it cook como diz Wick Alexander), podendo-se também utilizar um CuNiTi redondo antes. Isso as vezes era bom para quem trabalhava com canaleta .022″, já que começar com um fio 0,016″x 0,22″ não faz muito sentido por causa da folga. Nessa época, não havia motivo, como não há hoje em utilizar um CuNiTi 35 oC  abaixo de 0,016″ (nem existia Copper 35 oC mais fino que isso até que a aquisição da “A” Company pela Ormco…mas essa história eu conto outro dia…cômica também). Abaixo, vocês conseguem ver um caso de 1996 (dos meus pais), com 3 meses de tratamento.

Copper 1996

 

O conceito de amarrar os fios e deixá-los trabalhar, SEM FICAR FUÇANDO NO APARELHO, não é fruto dos “bráquetes autoligáveis”, como querem alguns, é fruto de BOM SENSO ortodôntico. E parando para pensar, não tem ortodontia mais eficiente que essa.  Para quem quiser ler mais, veja os artigos do Randall Bennet e do Allan Bagden num clinical impressions da ormco: http://www.ormco.com/pdf-downloads/clinical-impressions/volume-9-2000-1.pdf . Não é nada científico, mas eles mostram casos tratados com dois ou três fios e com consultas espaçadas, mesmo antes de utilizarem bráquetes autoligáveis.

Mas o grande problema no fim da década de 90 ainda era o tempo de cadeira, já que nos EUA praticamente todos ortodontistas mandavam e ainda mandam as auxiliares amarrarem os bráquetes com amarrilho. Para aqueles que gostam do aspecto comercial da coisa, tá ai o por quê os bráquetes autoligáveis pegaram tanto nos EUA…TEMPO DE CADEIRA…a comparação de tempo de fechamento e abertura das portas é bem menor que amarrar e cortar amarrilho. Agora, quando é comparado com o tempo em por e tirar ligadura elástica, ele meio que desprezível…pelo menos na velocidade que um ortodontista ou auxiliar bem treinada faz.

Entram muitos pacientes por mês para os americanos (20-30), e portanto eles precisam atender mais pacientes por dia, lógico que com ajuda de auxiliares (tem ortodontista que atende mais ou menos 100 pacientes por dia). No Brasil se você tiver essa entrada, trabalhar com várias auxiliares, amarrar todos os bráquetes e, principalmente, puser os números no papel, vá em frente e utilize bráquetes autoligáveis em todos os seus casos…uma fortuna te espera. Só não vale fazer os cálculos a priori com suposições (igual os vendedores de franquia fazem), tem que fazer o cálculo com o que entra e sai do seu consultório.

Historicamente, esse tipo de ortodontia (EFSE) foi disseminada meio que agressivamente, pois trazia dinheiro para o fabricante que vendia os fios (muito caros na época, por sinal) e  e tinha alguns advacates por todo os EUA. Na Baylor College of Dentistry, em Dallas,  os que mais divulgavam o EFSE eram os professores  Rohit Sachdeva (quem registrou a patente do uso do CuNiTi na ortodontia e fundador do Orametrix), Tony Viazis (que aplicou esse conceito na sua franquia “Fast Braces“) e o Wick Alexander (que preconizava um controle dos incisivos inferiores o mais cedo possível no tratamento) que deu seu nome aos bráquetes que a Ormco mais vendia na época.

Era vendido o conceito de eficiência e de tratamentos mais rápidos com consultas mais espaçadas até a chegada do fio de trabalho (aço ou B-Ti final). Eu me lembro num encerramento de turma de Mestrado da Baylor (eu era adolescente e meu pai era professor lá) que os alunos tinham a tradição de tirar sarro dos professores na formatura. A brincadeira com o Viazis era uma imitação onde ele dizia que dois fios eram o suficiente para terminar um tratamento…o que pode acontecer, lógico…mas no contexto histórico onde os caras usavam um monte de fios durante o tratamento, isso era loucura. Para quem tiver curiosidade, olhe as entrevistas dele no youtube.com sobre o tratamento “Fast Braces“. Ele diz que é mais rápido porque no tratamento convencional as pessoas inclinam os dentes primeiro (fio redondo) e depois trazem a raiz (fio retangular) enquanto ele faz duas coisas ao mesmo tempo, já que começa com um retangular bem resiliente.

Utilizar um fio mais flexível numa dimensão cada vez menor (tem uma piada no mercado brasileiro…fio 0,010″de NiTi) vai de encontro com a eficiência. A movimentação dos dentes é dose dependente da força que se aplica e uma força muito leve não vai conseguir vencer nem o travamento elástico dos bráquetes. A literatura já estabeleceu, baseado no que se sabe,  que os diversos fios iniciais não causam mais ou menos reabsorção (procurem no Cochrane Colaboration).

Na verdade, o único motivo pelo qual um fio fino é o primeiro nas “sequências” bráquetes autoligáveis é porque um mais espesso  (pela sua dimensão e não pela força) pode não permitir a porta de ser fechada…Não tem a ver com a força (e muito menos com atrito, nessas fases iniciais do tratamento). Para aqueles que duvidam, procurem saber porque que o fio mais flexível existente (comercialmente falando), o Supercable  (niquel-titânio austenítico ativo redondo trançado), é o que menos vende no mercado de fios resilientes e porque ninguém mais usa o Turbo Wire. Somado a tudo isso existe um outro argumento: nas ligas de CuNiTI um fio mais espesso e mais defletido pode ter uma deformação martensítica induzida por estresse maior do que um fio mais fino e pouco defletido.

Resultado, ele gera menos força…NiTi e CuNiTi não obedecem a Lei de Hooke sempre.

Para os novos ortodontistas com uma vontade enorme de que as promessas de uma ortodontia fácil seja verdadeira, uma má notícia: O bráquete autoligável não é um amuleto mágico, ele continua sendo um mero bráquete.

 

Boa noite,

 

R.Martins

 

 

 


4 Comentários

  • Responder Théo |

    Caro professor Renato,
    Fiquei bem feliz ao saber do lançamento do 0.010 de NiTi nacional, e agora o sr. o chama de piada! Jogou água no meu chopp! Me diga porque não gosta dele!
    Abraços!
    Théo
    Belém Pa

    • Responder Dr. Renato Renato Parsekian Martins |

      Boa Tarde Sérgio,

      Sim, tem razão. Estão fazendo um sensacionalismo que tem um fundo totalmente comercial. Como eu ouvi nos EUA, nesse congresso americano, “Nenhuma empresa chega a ser a de maior em faturamento vendendo bráquetes que custam 10 centavos por 2 dólares, ela chega lá vendendo bráquetes de 15 centavos por 15 dólares.”

      Abraço

      R.

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