Bom dia,
Outro dia um colega chamado Glaidson Louzada me enviou uma pergunta questionando sobre um artigo da literatura brasileira que afirma que se pode usar resina composta sem adesivo. O artigo vem abaixo:
Colagem ortodôntica em esmalte com presença ou ausência de contaminação salivar: é necessário o uso de adesivo auto-condicionante ou de adesivo hidrofílico? / Orthodontic bonding in dry and saliva contaminated enamel: is a self-etching primer or a moisture-insensitive primer necessary? Rosa, Cristiane Becher; Pinto, Roberto Amarante Costa; Habib, Fernando Antonio Lima. Rev. dent. press ortodon. ortopedi. facial; 13(3): 34-42, maio-jun. 2008.
Coloco abaixo a minha resposta ao Glaidson:
Boa noite,
Que bom que o blog estimulou você a procurar informações…legal você ter encontrado um artigo que coloca um contraponto ao que eu escrevi. No passado, eu já discuti o artigo que você mencionou na pós-graduação com alguns dos meus alunos e posso transcrever abaixo o que pensamos. Obrigado por opinar e, por favor não leia o que escrevo abaixo pensando que estou tentando argumentar agressivamente ou mesmo criticar você. É uma crítica científica sincera aos achados desse artigo. Também não é uma crítica pessoal a nenhum dos autores. O objetivo é explicar que os dados apresentados pelo artigo não contrapõe as afirmações feitas por mim, baseadas nas evidências disponíveis até dias hoje.
Vamos lá:
As conclusões descritas no RESUMO não refletem o que foi testado. Ela diz: “… com o controle de umidade, não é necessário o uso de um adesivo para se atingir uma adesão aceitável…”.
Pausa…como assim? Adesivos convencionais não foram testados!!!
Parafraseando meu amigo Leonardo Koerich: “Basear conclusões clínicas a respeito de x em estudos que avaliaram y acredito que seja apenas “achismo”, e no “achismo” até Angle já se enganou…”
Mesmo se alguém escolher (erroneamente) a ir por esse lado, não se pode achar que o comportamento de adesivos convencionais seriam os mesmos que a do adesivo autocondicionante testado, já que a literatura mostra uma MAIOR resistência ao cisalhamento dos primeiros em ambientes isentos de umidade. Eles são produtos químicos diferentes, e isso não comprova que você pode e nem mesmo DEVE utilizar resina sem adesivo numa colagem convencional.
Adicionalmente, um p=.06 desacompanhado do poder da amostra não quer dizer nada (pelo menos para mim). Mesmo que foi definido em um trabalho que somente o p abaixo de .05 seria significante, não se pode ter certeza que .06 não o é, sem obter o “poder” da amostra. O poder é o quanto % de certeza você tem, nesse caso, de que não há diferenças mesmo. Mesmo os autores não tendo colocado, dá para calcular e no caso dessa afirmação o poder é 50% (eu calculei). Isso quer dizer que os dados apontam para 50% de certeza que realmente não há diferenças entre os grupos…um pouco baixo para fazer uma afirmação que muda uma regra físico-química que tem sido colocada em prática desde que a resina composta foi inventada, não é mesmo?
“O ônus da prova cai sobre quem desafia o que já foi estabelecido cientificamente”
E não para por ai, a utilização de adesivos não serve somente para obter-se uma adesão adequada. Esses selantes protegem o esmalte que foi condicionado e também previnem microinfiltração ao redor da resina utilizada pela colagem.
Segundo, os valores descritos por Reynolds (de 6-8 MPa, sugeridos como opinião pessoal dele num artigo de revisão em 1975) não podem ser tidos como um padrão ouro e nem podem ser comparados com cisalhamento em dentes bovinos. Não se pode utilizar dados planejados para humanos e compará-los com os obtidos em bovinos, e finalmente, extrapolá-los para humanos de novo…ciência não funciona assim.
Na verdade, se alguém considerar 6-8 MPa como um valor de cisalhamento adequado, é melhor utilizar um cimento de ionômero para colar bráquetes, que promove a mesma resistência, é mais barato, libera flúor e é menos sensível à contaminação. Mas…quantas pessoas você conhece que utilizam ionômero para colar bráquete como protocolo? Clinicamente ele se mostra inferior a resinas compostas…Será que é fácil convencer alguém que usa resina a mudar para ionômero com o argumento de que a força que ele promove é suficiente (baseado numa opinião de 1975)? Você mudaria para o ionômero e o utilizaria em todos seus pacientes?
Qualquer resina por pior que seja, vai te dar valores acima de 6-8 MPa se você usá-las de forma convencional (com adesivo).
Ainda assim, pegue o valor de 8,9 MPa relatado, adicionado ao alto desvio padrão (4,6 MPa, o que é mais da metade do valor mensurado), e pense de uma forma que você pudesse extrapolar esses valores para uma situação real.
Se realmente houvesse uma distribuição normal (Por quê colocar medianas na estatística descritiva…?), 34% dos dentes que você colasse possuiriam uma resistência ao cisalhamento entre 4,3 MPa e 8,9 MPa, enquanto 16% possuiriam uma RC menor que 4,3 MPa. Isso quer dizer que uma parte de seus bráquetes colados (20-25%) teriam a RC abaixo do considerado adequado, e já sabemos que esses valores de 6-8 MPa não o são. Imagine isso somado aos bráquetes que normalmente já se soltam…eu acho melhor usar adesivo!
Abraço,
R.Martins