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Bráquetes autoligáveis promovem uma retração mais rápida?

Boa Noite,

 

Tivemos um artigo nosso recém publicado on-line na revista The Angle Orthodontist, com o título: “Canine retraction and anchorage loss: Self-ligating versus conventional brackets in a randomized split-mouth study” e que pode ser abaixado pelo seguinte link: http://www.angle.org/doi/pdf/10.2319/100813-743.1 Esse artigo traz um nível de evidência altíssimo pois é um ensaio clínico randomizado e tem um desenho “split-mouth” onde o grupo controle é individual de cada paciente.

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Hoje eu gostaria de falar sobre esse artigo e contar como ele se desenvolveu, e também explicar algumas nuances dos resultados. O Dr. André Monini foi o principal investigador, e eu me lembro que recém da minha volta do EUA, do doutorado sanduíche em 2007, eu estava cheio de idéias e querendo pô-las em prática. O Dr. André estava planejando o seu projeto de doutorado que inicialmente seria de comparar clinicamente a retração de casos extração trazendo os caninos primeiro e depois os incisivos versus retrair os seis dentes anteriores.

Na saída da UNESP, um dia conversamos sobre pegar os pacientes do grupo onde seriam retraídos só os caninos  (que foram randomizados) e fazer um ensaio split-mouth com bráquetes autoligáveis e convencionais. Esse tipo de ensaio tem um poder muito grande de fazer comparações em torno do assunto movimentação dentária, pois a variabilidade individual da velocidade de movimentação dentária é enorme. Vide a tabela abaixo do artigo (que mostra individualmente todos os pacientes tratados, como gosta meu amigo Câmara):Capture43

Observe o paciente 6 que teve uma média mensal de retração ao redor de 0,4 mm/mês e o paciente 7, que teve uma retração com média de 1,2 mm/mês…3 vezes mais rápido.

Mas ai começaram as perguntas de como faríamos o ensaio para que os resultados obtidos fossem os mais válidos possíveis, pois não tínhamos o menor interesse em provar ou desprovar qualquer coisa. Estávamos preocupados primeiro em saber, para poder afirmar X ou Y com certeza, e em segundo lugar, preocupados em realizar uma pesquisa onde todos os aspectos que poderiam ser questionados (e que poderiam comprometer os resultados e a publicação em uma boa revista) estivessem cobertos.

Íriamos usar barra palatina para não comprometer a ancoragem? Não, pois como já publiquei no SMARTODONTICS, fiz uma revisão por curiosidade, nos EUA em 2006, e as evidências apontam para um ineficiência da BP para esse propósito.

Utilizaríamos elásticos em cadeia para a retração? Não pois é difícil de padronizar a força.

Quais bráquetes AL e Conv. iríamos utilizar? Nesse caso a preocupação não foi saber se era passivo ou ativo, mas a preocupação era de ter bráquetes com o mesmo tamanho pois sabemos que isso pode interferir no atrito (bráquetes menores geram mais atrito pois as forças normais são maiores). No Brasil na época haviam poucos bráquetes AL, e optamos por usar o da GAC, pois o inovation (AL) tinha um tamanho da canaleta horizontal bem parecido com o a tamanho do ovation (Conv,) e eram do mesmo fabricante.

As idades, a quantidade de apinhamento e outros fatores que podem influenciar a velocidade de uma pessoa em relação a outra eram fatores controlados pelo desenho “split-mouth” (onde o grupo experimental e controle estão dentro de cada pessoa) e pelo teste estatístico pareado que seria utilizado (T, caso os dados estivessem normais). Os lados do paciente e do ortodontista não teriam influencias pois foram radomizados.

Como iríamos medir? Usamos a metodologia de radiografias obliquas em 45o, que eu já havia utilizado em duas publicações minhas em 2009 no AJODO (Changes over time in canine retraction: An implant study e Group A T-loop for differential moment mechanics: An implant study).

Qual plano de referencia usaríamos? Muita gente pensaria em utilizar o plano SN ou Frankfort, mas esses são os menos piores para avaliar mudanças esqueléticas. Para examinar mudanças dentárias, a referência frente ao plano oclusal do inicio da retração é muito melhor; sem contar que ela padroniza os pacientes com planos oclusais diferentes, pois os dentes se movimentam pelo fio ortodôntico (paralelo ao plano oclusal).

E por ai vai…conseguimos controlar bem as variáveis, na minha humilde opinião.

Agora quanto ao artigo (recomendo que vocês o leiam antes):

O primeiro aspecto interessante é em relação ao tamanho da amostra e da randomização. Calculamos o tamanho da amostra considerando que uma diferença de 0,2 mm por mês entre os bráquetes (se ela existisse) seria clinicamente relevante e o retiramos o desvio padrão para movimentação dentária de artigos já publicados. O resultado do cálculo foi que 25 pacientes seriam necessários para ter uma certeza de 95%, caso encontrássemos uma diferença entre os grupos, e de 90% caso não a encontrássemos. O mais interessante é que a diferença encontrada entre os grupos foi de 0,003 mm/mês e insignificante do ponto de vista estatístico ( o erro padrão era de 0,07).

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Como não foi encontrada diferença entre os grupos e a diferença entre as médias e desvios padrões foram diferentes dos utilizados por nós para o cálculo da amostra, a nossa certeza de que a diferença entre os grupos não existe (poder) caiu muito (5%) e para termos uma certeza de 90% precisaríamos ter uns 250 pacientes na amostra.

Esse é um prato cheio para quem não entende de pesquisa e fica falando de tamanho de amostra sem saber das coisas direito.

“Ah, então como você só tem 5 % de certeza que está certo, os autoligáveis podem ser mais rápidos então? Essa pesquisa não é boa! (com tom de sarcasmo)”

A resposta:  “Lógico que não…a certeza diz respeito em DETERMINAR se o valor de 0,003 mm/mês encontrado é diferente de zero ou não (do ponto de vista estatístico).”

Aumento de amostra tem mais a ver com diminuição de intervalo de confiança (da variação entre os pacientes) do que com mudança das médias encontradas (se a randomização for boa, ela cuida para que as médias não se modifiquem significantemente com o aumento da amostra).

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Mas eu posso ser chato,  e supor que com 250 pacientes nós conseguiríamos determinar que realmente há uma diferença entre os grupos de 0,003 mm (que é clinicamente insignificante). Sinto desapontar alguns, mas essa diferença vai em favor dos bráquetes convencionais.

Mas como eu não vou ser chato (o que é difícil), eu acho que realmente não há diferenças…rs!

Para terminar, eu gostaria de traduzir uma última parte do artigo para reflexão, que diz respeito ao FATO de que a variação individual dos nossos pacientes é infinitamente mais importante do que se o bráquete é AL ou não; ou pelo menos 30 vezes mais importante, se a diferença de 0,003 mm/mês existir mesmo em favor dos convencionais:

“… a velocidade de movimentação dos caninos parece ser influenciada mais pelas respostas biológicas individuais dos pacientes do que pelo tipo de bráquete.  Sem um controle das respostas biológicas que ocorrem após uma força ser  aplicada a um dente, será muito difícil observar velocidades maiores de movimentação no futuro.”(Monini et al. Angle Orthod.,2014)

 

Um abraço,

R.Martins


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