:::: MENU ::::
Posts tagged with: bráquetes autoligáveis

Early full slot engagement, CuNiTi e bráquetes autoligáveis

Bom dia,

Hoje eu vi uma postagem no FB do meu amigo David Normando sobre o artigo do Spyridon Pappagiorgiou, onde ele fez uma revisão sistemática com meta-ánalise sobre bráquetes autoligáveis (ela está disponível na página do Spyridon no researchgate.com). É óbvio que os ânimos se exaltam em algumas postagens e numa época onde estamos em uma briga para a sucessão do País, as discussões que deveriam ser científicas acabam se tornando partidárias e pessoais…

Tomo sempre muito cuidado quando falo de bráquetes autoligáveis para não ser taxado como o cara que é contra o uso deles. Não sou. Eu tive, tenho e ainda terei casos com esses bráquetes (principalmente quando eu ganho eles). O que eu acho, é que teve muita gente que começou a fazer uma ortodontia melhor, porque a informação está mais disponível do que era no passado e as pessoas confundem isso com o bráquete…bom, tem um caso meu ai embaixo!

Slide1

Slide3

Slide5

Falar que eles são bráquetes como qualquer outro não quer dizer que eles sejam ruins. Todos os bráquetes são desenvolvidos para ter uma vantagem sobre os outros, mas quando você acha que ganhou de um lado, acaba perdendo por outro. Veja o caso dos bráquetes Tip-Edge, você pode utilizar esses bráquetes com muito folga para retrair caninos…e eles realmente evitam o efeito colateral de extrusão nos incisivos. Mas também não te dão controle na retração da raiz…e por ai vai.

Querem outro exemplo? Os bráquetes de Alexander são fantásticos para nivelamento e alinhamento, permitem que você chegue ao fio de trabalho super-rápido, tornam os fios relativamente mais flexíveis devido à grande distância interbráquete,  mas são péssimos para fechar espaços por deslizamento (talvez seja por isso que alças são preconizadas com esses bráquetes).

Já que essa técnica prega o early full slot engagement (EFSE), vamos voltar ao assunto. O que EFSE quer dizer? É a busca por preencher a canaleta do bráquete o mais rápido possível no tratamento. Isso é completamente o oposto ao que se “prega” nas técnicas autoligadas, onde se acredita que um fio com muito folga será mais eficiente, ainda mais se você deixar ele na boca por mais tempo que o necessário.

O mais cômico, se não fosse triste, é saber que o EFSE é o motivo pelo qual os fios de altíssima resiliência retangulares foram introduzidos na ortodontia na década de 90 (os mesmos que são utilizados em espessuras mais finas nos dias de hoje). Estes são os classificados como ligas de níquel-titânio martensíticos ativos (Copper NiTi, Neosentalloy e Bioforce) e mais o Turbo Wire (NiTi trançado), possuem um módulo de elasticidade bem baixo e, em maiores dimensões podem ter a rigidez parecida a fios redondos de ligas um pouco menos resilientes, as quais eram as  normalmente utilizadas na ortodontia até o começo da década de 90 (Nitinol, Niti austenitico ativo e aço trançado).

Assim, eles permitiram uma ortodontia mais eficiente que era utilizá-los como primeiros fios, em dimensões retangulares ou quadradas, e amarrá-los deixando-os cozinhando (Let it cook como diz Wick Alexander), podendo-se também utilizar um CuNiTi redondo antes. Isso as vezes era bom para quem trabalhava com canaleta .022″, já que começar com um fio 0,016″x 0,22″ não faz muito sentido por causa da folga. Nessa época, não havia motivo, como não há hoje em utilizar um CuNiTi 35 oC  abaixo de 0,016″ (nem existia Copper 35 oC mais fino que isso até que a aquisição da “A” Company pela Ormco…mas essa história eu conto outro dia…cômica também). Abaixo, vocês conseguem ver um caso de 1996 (dos meus pais), com 3 meses de tratamento.

Copper 1996

 

O conceito de amarrar os fios e deixá-los trabalhar, SEM FICAR FUÇANDO NO APARELHO, não é fruto dos “bráquetes autoligáveis”, como querem alguns, é fruto de BOM SENSO ortodôntico. E parando para pensar, não tem ortodontia mais eficiente que essa.  Para quem quiser ler mais, veja os artigos do Randall Bennet e do Allan Bagden num clinical impressions da ormco: http://www.ormco.com/pdf-downloads/clinical-impressions/volume-9-2000-1.pdf . Não é nada científico, mas eles mostram casos tratados com dois ou três fios e com consultas espaçadas, mesmo antes de utilizarem bráquetes autoligáveis.

Mas o grande problema no fim da década de 90 ainda era o tempo de cadeira, já que nos EUA praticamente todos ortodontistas mandavam e ainda mandam as auxiliares amarrarem os bráquetes com amarrilho. Para aqueles que gostam do aspecto comercial da coisa, tá ai o por quê os bráquetes autoligáveis pegaram tanto nos EUA…TEMPO DE CADEIRA…a comparação de tempo de fechamento e abertura das portas é bem menor que amarrar e cortar amarrilho. Agora, quando é comparado com o tempo em por e tirar ligadura elástica, ele meio que desprezível…pelo menos na velocidade que um ortodontista ou auxiliar bem treinada faz.

Entram muitos pacientes por mês para os americanos (20-30), e portanto eles precisam atender mais pacientes por dia, lógico que com ajuda de auxiliares (tem ortodontista que atende mais ou menos 100 pacientes por dia). No Brasil se você tiver essa entrada, trabalhar com várias auxiliares, amarrar todos os bráquetes e, principalmente, puser os números no papel, vá em frente e utilize bráquetes autoligáveis em todos os seus casos…uma fortuna te espera. Só não vale fazer os cálculos a priori com suposições (igual os vendedores de franquia fazem), tem que fazer o cálculo com o que entra e sai do seu consultório.

Historicamente, esse tipo de ortodontia (EFSE) foi disseminada meio que agressivamente, pois trazia dinheiro para o fabricante que vendia os fios (muito caros na época, por sinal) e  e tinha alguns advacates por todo os EUA. Na Baylor College of Dentistry, em Dallas,  os que mais divulgavam o EFSE eram os professores  Rohit Sachdeva (quem registrou a patente do uso do CuNiTi na ortodontia e fundador do Orametrix), Tony Viazis (que aplicou esse conceito na sua franquia “Fast Braces“) e o Wick Alexander (que preconizava um controle dos incisivos inferiores o mais cedo possível no tratamento) que deu seu nome aos bráquetes que a Ormco mais vendia na época.

Era vendido o conceito de eficiência e de tratamentos mais rápidos com consultas mais espaçadas até a chegada do fio de trabalho (aço ou B-Ti final). Eu me lembro num encerramento de turma de Mestrado da Baylor (eu era adolescente e meu pai era professor lá) que os alunos tinham a tradição de tirar sarro dos professores na formatura. A brincadeira com o Viazis era uma imitação onde ele dizia que dois fios eram o suficiente para terminar um tratamento…o que pode acontecer, lógico…mas no contexto histórico onde os caras usavam um monte de fios durante o tratamento, isso era loucura. Para quem tiver curiosidade, olhe as entrevistas dele no youtube.com sobre o tratamento “Fast Braces“. Ele diz que é mais rápido porque no tratamento convencional as pessoas inclinam os dentes primeiro (fio redondo) e depois trazem a raiz (fio retangular) enquanto ele faz duas coisas ao mesmo tempo, já que começa com um retangular bem resiliente.

Utilizar um fio mais flexível numa dimensão cada vez menor (tem uma piada no mercado brasileiro…fio 0,010″de NiTi) vai de encontro com a eficiência. A movimentação dos dentes é dose dependente da força que se aplica e uma força muito leve não vai conseguir vencer nem o travamento elástico dos bráquetes. A literatura já estabeleceu, baseado no que se sabe,  que os diversos fios iniciais não causam mais ou menos reabsorção (procurem no Cochrane Colaboration).

Na verdade, o único motivo pelo qual um fio fino é o primeiro nas “sequências” bráquetes autoligáveis é porque um mais espesso  (pela sua dimensão e não pela força) pode não permitir a porta de ser fechada…Não tem a ver com a força (e muito menos com atrito, nessas fases iniciais do tratamento). Para aqueles que duvidam, procurem saber porque que o fio mais flexível existente (comercialmente falando), o Supercable  (niquel-titânio austenítico ativo redondo trançado), é o que menos vende no mercado de fios resilientes e porque ninguém mais usa o Turbo Wire. Somado a tudo isso existe um outro argumento: nas ligas de CuNiTI um fio mais espesso e mais defletido pode ter uma deformação martensítica induzida por estresse maior do que um fio mais fino e pouco defletido.

Resultado, ele gera menos força…NiTi e CuNiTi não obedecem a Lei de Hooke sempre.

Para os novos ortodontistas com uma vontade enorme de que as promessas de uma ortodontia fácil seja verdadeira, uma má notícia: O bráquete autoligável não é um amuleto mágico, ele continua sendo um mero bráquete.

 

Boa noite,

 

R.Martins

 

 

 


Bráquetes autoligáveis promovem uma retração mais rápida?

Boa Noite,

 

Tivemos um artigo nosso recém publicado on-line na revista The Angle Orthodontist, com o título: “Canine retraction and anchorage loss: Self-ligating versus conventional brackets in a randomized split-mouth study” e que pode ser abaixado pelo seguinte link: http://www.angle.org/doi/pdf/10.2319/100813-743.1 Esse artigo traz um nível de evidência altíssimo pois é um ensaio clínico randomizado e tem um desenho “split-mouth” onde o grupo controle é individual de cada paciente.

Capture430

Hoje eu gostaria de falar sobre esse artigo e contar como ele se desenvolveu, e também explicar algumas nuances dos resultados. O Dr. André Monini foi o principal investigador, e eu me lembro que recém da minha volta do EUA, do doutorado sanduíche em 2007, eu estava cheio de idéias e querendo pô-las em prática. O Dr. André estava planejando o seu projeto de doutorado que inicialmente seria de comparar clinicamente a retração de casos extração trazendo os caninos primeiro e depois os incisivos versus retrair os seis dentes anteriores.

Na saída da UNESP, um dia conversamos sobre pegar os pacientes do grupo onde seriam retraídos só os caninos  (que foram randomizados) e fazer um ensaio split-mouth com bráquetes autoligáveis e convencionais. Esse tipo de ensaio tem um poder muito grande de fazer comparações em torno do assunto movimentação dentária, pois a variabilidade individual da velocidade de movimentação dentária é enorme. Vide a tabela abaixo do artigo (que mostra individualmente todos os pacientes tratados, como gosta meu amigo Câmara):Capture43

Observe o paciente 6 que teve uma média mensal de retração ao redor de 0,4 mm/mês e o paciente 7, que teve uma retração com média de 1,2 mm/mês…3 vezes mais rápido.

Mas ai começaram as perguntas de como faríamos o ensaio para que os resultados obtidos fossem os mais válidos possíveis, pois não tínhamos o menor interesse em provar ou desprovar qualquer coisa. Estávamos preocupados primeiro em saber, para poder afirmar X ou Y com certeza, e em segundo lugar, preocupados em realizar uma pesquisa onde todos os aspectos que poderiam ser questionados (e que poderiam comprometer os resultados e a publicação em uma boa revista) estivessem cobertos.

Íriamos usar barra palatina para não comprometer a ancoragem? Não, pois como já publiquei no SMARTODONTICS, fiz uma revisão por curiosidade, nos EUA em 2006, e as evidências apontam para um ineficiência da BP para esse propósito.

Utilizaríamos elásticos em cadeia para a retração? Não pois é difícil de padronizar a força.

Quais bráquetes AL e Conv. iríamos utilizar? Nesse caso a preocupação não foi saber se era passivo ou ativo, mas a preocupação era de ter bráquetes com o mesmo tamanho pois sabemos que isso pode interferir no atrito (bráquetes menores geram mais atrito pois as forças normais são maiores). No Brasil na época haviam poucos bráquetes AL, e optamos por usar o da GAC, pois o inovation (AL) tinha um tamanho da canaleta horizontal bem parecido com o a tamanho do ovation (Conv,) e eram do mesmo fabricante.

As idades, a quantidade de apinhamento e outros fatores que podem influenciar a velocidade de uma pessoa em relação a outra eram fatores controlados pelo desenho “split-mouth” (onde o grupo experimental e controle estão dentro de cada pessoa) e pelo teste estatístico pareado que seria utilizado (T, caso os dados estivessem normais). Os lados do paciente e do ortodontista não teriam influencias pois foram radomizados.

Como iríamos medir? Usamos a metodologia de radiografias obliquas em 45o, que eu já havia utilizado em duas publicações minhas em 2009 no AJODO (Changes over time in canine retraction: An implant study e Group A T-loop for differential moment mechanics: An implant study).

Qual plano de referencia usaríamos? Muita gente pensaria em utilizar o plano SN ou Frankfort, mas esses são os menos piores para avaliar mudanças esqueléticas. Para examinar mudanças dentárias, a referência frente ao plano oclusal do inicio da retração é muito melhor; sem contar que ela padroniza os pacientes com planos oclusais diferentes, pois os dentes se movimentam pelo fio ortodôntico (paralelo ao plano oclusal).

E por ai vai…conseguimos controlar bem as variáveis, na minha humilde opinião.

Agora quanto ao artigo (recomendo que vocês o leiam antes):

O primeiro aspecto interessante é em relação ao tamanho da amostra e da randomização. Calculamos o tamanho da amostra considerando que uma diferença de 0,2 mm por mês entre os bráquetes (se ela existisse) seria clinicamente relevante e o retiramos o desvio padrão para movimentação dentária de artigos já publicados. O resultado do cálculo foi que 25 pacientes seriam necessários para ter uma certeza de 95%, caso encontrássemos uma diferença entre os grupos, e de 90% caso não a encontrássemos. O mais interessante é que a diferença encontrada entre os grupos foi de 0,003 mm/mês e insignificante do ponto de vista estatístico ( o erro padrão era de 0,07).

Capture55

 

Como não foi encontrada diferença entre os grupos e a diferença entre as médias e desvios padrões foram diferentes dos utilizados por nós para o cálculo da amostra, a nossa certeza de que a diferença entre os grupos não existe (poder) caiu muito (5%) e para termos uma certeza de 90% precisaríamos ter uns 250 pacientes na amostra.

Esse é um prato cheio para quem não entende de pesquisa e fica falando de tamanho de amostra sem saber das coisas direito.

“Ah, então como você só tem 5 % de certeza que está certo, os autoligáveis podem ser mais rápidos então? Essa pesquisa não é boa! (com tom de sarcasmo)”

A resposta:  “Lógico que não…a certeza diz respeito em DETERMINAR se o valor de 0,003 mm/mês encontrado é diferente de zero ou não (do ponto de vista estatístico).”

Aumento de amostra tem mais a ver com diminuição de intervalo de confiança (da variação entre os pacientes) do que com mudança das médias encontradas (se a randomização for boa, ela cuida para que as médias não se modifiquem significantemente com o aumento da amostra).

F2_medium

Mas eu posso ser chato,  e supor que com 250 pacientes nós conseguiríamos determinar que realmente há uma diferença entre os grupos de 0,003 mm (que é clinicamente insignificante). Sinto desapontar alguns, mas essa diferença vai em favor dos bráquetes convencionais.

Mas como eu não vou ser chato (o que é difícil), eu acho que realmente não há diferenças…rs!

Para terminar, eu gostaria de traduzir uma última parte do artigo para reflexão, que diz respeito ao FATO de que a variação individual dos nossos pacientes é infinitamente mais importante do que se o bráquete é AL ou não; ou pelo menos 30 vezes mais importante, se a diferença de 0,003 mm/mês existir mesmo em favor dos convencionais:

“… a velocidade de movimentação dos caninos parece ser influenciada mais pelas respostas biológicas individuais dos pacientes do que pelo tipo de bráquete.  Sem um controle das respostas biológicas que ocorrem após uma força ser  aplicada a um dente, será muito difícil observar velocidades maiores de movimentação no futuro.”(Monini et al. Angle Orthod.,2014)

 

Um abraço,

R.Martins


Bráquetes Autoligáveis: Contra???

Boa tarde pessoal,

 

Hoje eu resolvi escrever sobre os bráquetes autoligáveis.

 

Outro dia pedi a uma aluna da pós-graduação que utilizasse, em um caso, dois bráquetes autoligáveis na mesial e na distal de um espaço que ela iria abrir.

 

Ela me perguntou: “Mas professor, você não é CONTRA os bráquetes autoligáveis?”

 

Eu respondi: “Contra? Contra não…sou contra a guerra, a homofobia, a roubalheira no governo…Eu, reproduzir, baseado nas evidências científicas, que não há diferença na movimentação dentária entre os bráquetes autoligáveis e os convencionais não é ser contra. Em algumas situações eu acho que os bráquetes autoligáveis podem trazer algumas vantagens.”

 

“Causos” a parte, eu acredito que todos os tipos de bráquete tem pelo menos uma vantagem em relação aos outros, mas no caso dos autoligáveis essa vantagem não é a velocidade da movimentação dentária.

 

No congresso americano desse ano (2013), a Birte Melsen deu um show no simpósio montado lá, onde ela mostrou as pesquisas recentes da Universidade de Aarhus, na Dinamarca. Com embasamento nessas pesquisas e outras ela jogou por terra algumas das afirmações feitas pelas companhias que vendem bráquetes.

 

Só para relembrar, vou postar uma contribuição que eu fiz no site insete (www.insete.com.br) há algum tempo atrás. Boa leitura e bom domingo a todos!

 

R.Martins

 

 

 

 

 

 

1. Com a popularização dos bráquetes autoligados, o tema “fricção” e “atrito” na ortodontia ficou em alta. Afinal, o que é Fricção e o que é Atrito? A ausência das ligaduras realmente diminuí a fricção ?

 

Atrito é a resistência a movimentação que existe sempre que há contato entre dois corpos e tendência ao movimento. Fricção, em física e em português, é um sinônimo de atrito, como em inglês, atrito se traduz por “friction”, muitas pessoas preferem usar esse cognato.

 

Essa resistência é caracterizada por uma força oposta à da tendência de movimentação e é causada pelas irregularidades entre as superfícies em contato. A força de atrito é sempre paralela às superfícies em interação e contrária ao movimento relativo entre elas (como eu já mencionei). Observe na figura abaixo um cubo com uma massa m (em azul).

 

Se eu tentar empurrá-lo com uma força F, a força de atrito (vermelha) que oferece resistência ao movimento é dada pela força normal N (em branco, nesse exemplo igual ao peso do bloco) vezes o coeficiente de atrito.

blog1

 

Apesar de ser paralela às superfícies em interação, a força do atrito depende da força normal, que é o componente vertical da força de contato, portanto quanto maior for a força normal maior será o atrito (Primeira Lei de Amontons) Entretanto, ao contrário do que se imagina, mantidas as demais variáveis constantes, a força de atrito não depende da área de contato entre as superfícies, apenas da natureza destas superfícies e da força normal que tende a fazer uma superfície “penetrar” na outra. (Segunda Lei de Amontons)

Nos bráquetes ortodôntico, o atrito é gerado pelas forças que agem na interação das áreas de contato e pelo coeficiente de atrito entre essas superfícies.

blog2blog3

Na figura abaixo, podemos ver uma força de 100 gf sendo aplicada à coroa de um canino (neste exemplo hipotético, a 10 mm do seu centro de resistência). Esta força produz uma tendência a rotação (M), ou momento, de 1000 gf.mm.

blog4

Mas na ortodontia, gostamos de ter um fio passando pelos bráquetes, e de preferência, pelo menos no meu exemplo, gostaríamos que esse dente não inclinasse, e sim que ele se  movimentasse de corpo.

blog6

Veja bem, se é o fio que impede que o dente incline, e se eu desejo uma movimentação de corpo, então ele precisa impedir que a tendência de rotação ocorra. Para isso, ele precisa ser rígido o suficiente para produzir uma tendência de contra-rotação, ou a situação acima pode ocorrer, com o dente inclinando mais e mais.

 

São as forças que o fio produz, para controlar a movimentação dentária, que geram o atrito. Em um maior   aumento, mais abaixo, pode-se observar as forças necessárias (duas de 250g) para produzir uma tendência de contra- rotação (no exemplo que eu dei) em um bráquete de 4 mm de comprimento.

blog 9

Essas duas forças, multiplicadas pelo coeficiente de atrito aproximado do aço inox. com o aço inox. (0,1) resultam em uma força de atrito de 50g.

 

Observe que o fato de bráquete ser autoligável ou não, não influenciaria a força do atrito na movimentação exemplificada (pelo menos nesse plano do espaço) pois as forças que geram o atrito existem pelo contato do fio com as paredes internas dos bráquetes para controlar a raíz.

 

Entretanto, mais atrito (14 g) pode ser produzido em outro plano do espaço (para controlar a rotação produzida pela força de 100 g) conforme pode-se ver ao lado. Neste caso, talvez a utilização de ligaduras elásticas pudessem aumentar ligeiramente o atrito, devido a um aumento do coeficiente de atrito. Nesse aspecto, bráquetes autoligáveis e ligaduras metálicas em bráquetes convencionais não apresentariam diferenças.

blog7

Portanto, enquanto é verdade que o tipo de ligadura pode aumentar o atrito, o motivo real pelo qual temos atrito na ortodontia é devido a nossa inabilidade de movimentarmos os dentes de corpo com uma força simples, pelo centro de resistência dos dentes. Lembre-se sempre que é o controle da movimentação dentária que gera atrito, portanto menos atrito pode significar menos controle.

 

Somente complementando o assunto, essa simplificação, a título de melhorar a compreensão do atrito gerado pela interação das forças ao fio, ou o chamado ” binding”, foi feita para poder explicar a comparação “bráquete autoligável X convencional” e não compreende outros elementos que podem aumentar o atrito, como no caso do chamado “notching” (em inglês). O “notching”, que eu gosto de chamar de travamento estrutural, é o que ocorre entre o bráquete e o fio quando a movimentação trava por irregularidades ou presença de placa no fio ou na canaleta, ou por que o fio, ou o bráquete imbricam um ao outro, como exemplificado abaixo.

 

blog8

 

2. Qual é a verdadeira relação da Fricção com o tempo de tratamento ? Na sua opinião, os bráquetes autoligáveis são capazes de diminuir o tempo total de tratamento, ou de alguma fase do tratamento ortodôntico ?

 

Como eu comentei acima, a força do atrito é muito mal compreendida na ortodontia e sempre vista como um problema. Isso não é bem assim, o atrito pode ser bom em determinadas fases do tratamento, como na translação, e pode ser ruim em outras, como numa inclinação descontrolada, mas enquanto houver deslizamento SEMPRE haverá atrito, pelo menos na ortodontia de hoje.

 

De acordo com o que se têm publicado na literatura, em revistas de pesquisa ortodôntica de nível Qualis A ou B internacionais, as únicas duas vantagens de se utilizar bráquetes autoligados são: 1 – Maior velocidade em remover e colocar os arcos ortodônticos, e 2 – Uma menor vestibularização dos incisivos (provavelmente devido a expansão transversal para ganho de espaço). Atualmente, as evidências existentes não comprovam uma maior velocidade de tratamento com esses dispositivos. Pode-se adicionar a isso também, uma melhor adaptação dos tecidos peribucais aos bráquetes a curto prazo.

 

 

3. Sobre os tipos de bráquetes autoligados passivo e ativo, o que é isso ? Influencia no movimento dentário ? Existe uma indicação precisa para um ou outro tipo ?

 

Os bráquetes autoligáveis passivos são aqueles que quando fechados aparentam ser um tubo, como os que estamos acostumados de trabalhar na ortodontia; já os ativos são aqueles onde a porta do bráquete, ao ser fechada, aplica forças ao fio tentando assentá-lo ao fundo da canaleta. Por esse motivo, os ativos proporcionam um maior controle á movimentação dentária com fios menos espessos.

 

A palavra mágica aqui é controle, e como já dissemos, se você deseja controle na sua movimentação, você vai ter atrito.

 

Quanto a um ter indicação e o outro não, é muito difícil dizer, pois ambos os bráquetes podem ser utilizados e levar a um excelente resultado. Entretanto, o profissional que usa um deve saber de suas limitações e vantagens sobre o outro. Ao utilizar um bráquete passivo, por exemplo, o profissional não consegue dar dobras de finalização em um fio muito rígido, ao passo que em resistência da “porta” do bráquete ele é melhor.

 

4. Na sua opinião, um ortodontista com experiência no uso de bráquetes convencionais precisa se capacitar profissionalmente antes de começar a usar os bráquetes autoligados em seus pacientes ?

 

Acredito que sim, o profissional precisa aprender o básico sobre qualquer novo material que ele utilizará e isso não envolve somente bráquetes. Um exemplo do que pode acontecer quando o profissional começa a utilizar materiais sem ter informações básicas sobre os mesmos é o que ocorreu na década de 90 com a utilização de “sequências” de fios de níquel-titânio (imitando a utilização do aço) quando dois ou mesmo um fio faria o mesmo trabalho.

 

O profissional precisa saber como abrir e fechar os dispositivos e também saber quais são as áreas críticas de quebra ou situações onde a “porta” do bráquete possa emperrar. Outras perguntas que podem surgir são quais prescrições estão disponíveis, quais são as tolerâncias de folgas, se existem algumas diferenças quanto a posicionamento, etc…

 

Entretanto, não há porque essa capacitação ser de longa duração, uma boa apostila pode ser suficiente para que todas essas informações cheguem até o ortodontista.

 

 

5. Muitos colegas observam um ganho transversal, com uma expansão do arco dentário superior e inferior com os bráquetes autoligados. Muitas vezes evitando-se até a exodontia pela discrepância dentária negativa. Biomecanicamente, os acessórios sem elásticos realmente podem proporcionar uma expansão maior do que os acessórios com elásticos?

 

Não. Do ponto de vista prático, nós sabemos que quem expande as arcadas são os fios utilizados, e não os bráquetes. A utilização de arcos mais expandidos preconizados pelas empresas que fabricam bráquetes autoligáveis pode gerar a falsa impressão de que quem     expandiu as arcadas foi o bráquete e não o fio. Os mesmos efeitos, quando bem indicados, podem ser conseguidos por bráquetes convencionais.

 

6.  Mais da metade dos residentes formados em Ortodontia nos EUA pretendem usar sistemas autoligados. Se pudesse escolher qual seria a principal vantagem dos bráquetes autoligados ? O Doutor, usa bráquetes autoligados em todos os casos no seu consultório? Por quê?

 

Essa afirmação é verdadeira, pois os residentes sabem que a utilização desses bráquetes proporcionará uma maior velocidade de atendimento, fazendo com que o número de pacientes atendidos por dia possa ser maior. Em 2007, quando eu voltava do meu doutorado sanduíche nos EUA, as companhias ortodônticas já não mais apostavam  no “menor tempo de tratamento” como estratégia de venda.

 

Na minha opinião, como já comentei, vejo como vantagens o menor tempo clínico de atendimento e, nos casos dos bráquetes linguais autoligáveis, vejo uma maior praticidade em tratar casos onde haverá retração de incisivos, pois o fio tende a ser removido da canaleta durante a retração. Acredito também que há uma certa vantagem em se utilizar esses dispositivos em dentes adjacentes a áreas edêntulas, onde o espaço será mantido ou aberto, pois pode-se conseguir um melhor controle de rotação desses dentes, principalmente se o bráquete for ativo.

 

Não, eu não uso bráquetes autoligáveis em todos os meus casos. Eu acredito que o custo monetário/benefício que, com certeza, existe nos EUA não se aplica ao meu consultório no Brasil. Para consultórios de alta rotatividade, com mais de 60 atendimento por dia, talvez fizesse sentido.


Páginas:12